
Entenda por que medo, controle e insegurança alteram o desejo e a resposta do corpo.
Nos últimos dias, acompanhamos mobilizações intensas no país após casos recentes brutais de feminicídio, que repercutiram nas redes sociais e na imprensa. A dor é coletiva, e a conversa precisa ultrapassar os limites da segurança pública. Ela precisa chegar também a um território que muitas vezes é negligenciado: a sexualidade feminina.
O que chamamos de “violência contra mulheres” não é um fenômeno isolado. Ele se manifesta no cotidiano, nos relacionamentos, nos gestos de controle e, de maneira profunda, na forma como as mulheres vivem seu desejo, seu corpo e seus vínculos. Neste artigo, trago uma perspectiva de psicóloga e sexóloga: como o medo afeta o desejo, quais são os impactos no corpo e por que segurança é a base de toda vida sexual saudável.
Violência de gênero e sexualidade: duas conversas inseparáveis
A violência contra mulheres não começa no extremo do feminicídio. Ela se expressa antes, em comportamentos que tentam controlar limites, deslegitimar desejos e reagir mal à autonomia feminina.
Essas dinâmicas já são, por si só, formas de violência psicológica e sexual. E, quando presentes, afetam diretamente a forma como mulheres sentem e vivem sua sexualidade.
Sexualidade saudável envolve liberdade, consentimento, segurança e autonomia do corpo. Onde há medo, nenhum desses elementos encontra espaço para existir.
Como o medo aparece na vida sexual – mesmo sem violência física
Muitas mulheres reconhecem esses sinais, às vezes antes mesmo de terem consciência da violência pela qual estão passando:
- tensão constante
- hipervigilância
- receio de impor limites
- ceder para evitar conflito
- dificuldade de expressar desejo
- desconforto persistente durante o sexo
Essas manifestações não significam “falta de libido”, “TPM” ou “problema hormonal”. Elas significam que o corpo não se sente seguro.
A violência do controle, que silencia ou diminui, já é suficiente para alterar todo o ciclo da resposta sexual feminina.
O corpo em estado de alerta não responde ao prazer
Quando o corpo identifica ameaça, ele ativa sistemas de autoproteção. Isso interfere em processos fundamentais da resposta sexual:
- menor excitação
- dificuldade de lubrificação
- contrações involuntárias
- dor na penetração
- dificuldade de atingir o orgasmo
- dissociação emocional durante o ato
Esses sintomas, quando persistem, podem evoluir para disfunções sexuais como vaginismo, dispareunia, desejo hipoativo e dificuldade de excitação responsiva.
Em outras palavras: o corpo não relaxa onde não há segurança.
Como o medo molda comportamentos sexuais
O medo altera não apenas a resposta do corpo, mas também a maneira como as mulheres se comportam sexualmente:
- acabam cedendo mesmo sem querer
- evitam conversar sobre limites
- não falam de seus desconfortos
- moldam comportamento para evitar conflito com a parceria
- priorizam a segurança em detrimento do prazer
Longe de ser “falta de maturidade emocional”. É sobrevivência.
Impacto da violência contra mulheres nos vínculos afetivos
Relações tóxicas marcadas por medo levam a:
- evitar relações sexuais
- confusão entre cuidado e controle
- culpa por “não corresponder”
- sensação constante de inadequação
O que parece “problema sexual” muitas vezes é consequência de dinâmicas emocionais violentas ou desiguais.
Violência contra mulheres e autoestima erótica
A violência reduz a capacidade da mulher de reconhecer seu próprio desejo. Entre os impactos mais frequentes:
- sensação de “desligamento” da vida sexual
- dificuldade de acreditar que merece prazer
- internalização de culpa ou vergonha
- sensação de ser insuficiente ou “difícil”
Caminhos de cuidado para mulheres
Ninguém deveria enfrentar isso sozinha.
Há caminhos possíveis para superar a violência de gênero:
- terapia sexual
- fortalecimento de limites
- reconstrução de autoestima e autoconfiança
- aprendizagem de consentimento interno (“eu quero?”)
- relações que respeitam o “não”, sem punição
- educação em sexualidade sem tabus
O corpo pode reaprender e ressignificar quando voltar a se sentir seguro.
Homens precisam fazer parte da solução
A prevenção passa, necessariamente, pelos homens.
Homens educados em sexualidade desde cedo em:
- respeito ao corpo alheio
- alfabetização emocional
- noções reais de consentimento
- manejo saudável de rejeição
- masculinidades não violentas
tornam-se adultos capazes de construir vínculos seguros, e não vínculos baseados em coerção, medo ou controle.
Educação sexual para meninos é ferramenta de prevenção e de vida.
Conclusão
O prazer é político.
A autonomia do corpo é política.
E uma sexualidade saudável não nasce onde mulheres precisam se proteger.
O desejo floresce quando há liberdade, respeito e segurança – nunca no medo. Falar sobre violência contra mulheres é também falar sobre saúde sexual, sobre relações mais seguras e sobre o direito de viver a própria sexualidade em paz.
Quando procurar terapia sexual?
Procure terapia sexual se a violência – física, psicológica, emocional ou sexual – mudou a forma como você se relaciona com o próprio corpo ou com o desejo.
Considere buscar ajuda quando:
- você sente medo ou tensão ao pensar em intimidade.
- o corpo reage com dor, bloqueio ou desconforto diante do sexo.
- dizer “não” parece arriscado – mesmo em outras relações que não sejam tóxicas.
- experiências de controle ou violência afetaram sua autoestima.
- você se sente desconectada do prazer.
A terapia sexual ajuda a reconstruir segurança, recuperar autonomia e autoconfiança após situações de violência. Você não precisa atravessar isso sozinha.
Gravei um #RapidinhasDaMichelle sobre o assunto. Clique aqui para assistir.
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